(do portal UOL)
Especialistas ouvidos pelo UOL Notícias afirmaram que a ideia de suspender por quase três anos o trabalho de desassoreamento do rio Tietê foi arriscada e pode ter contribuído para a volta das enchentes na marginal. Como mostrou reportagem publicada hoje, o governo estadual paulista deixou de limpar o leito entre 2006, 2007 e parte de 2008.
Para o geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos, que já coordenou estudos sobre o assoreamento do Tietê, a opção das autoridades foi “no mínimo” temerária. “O DAEE sabe perfeitamente o volume de sedimentos que chega todo ano ao leito: são quase 1 milhão de metros cúbicos. Dizer que todo esse volume acumulado não prejudica a capacidade de vazão do rio não faz sentido”, afirma.
Segundo o especialista, que é ex-diretor do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), o desassoreamento do leito deve ser feito constantemente, especialmente na época das chuvas e em pontos críticos, quando os resíduos chegam em maior quantidade. “Sem dúvida, essa paralisação explica boa parte das enchentes que enfrentamos. E o resultado alcançado pela obra (de rebaixamento da calha) foi prejudicado. Só não sabemos qual o tamanho do prejuízo”, afirma ele.
Segundo o engenheiro Aluisio Canholi, teoricamente, o acúmulo de dejetos e lixo no fundo do rio potencializa as enchentes na marginal. Como ele explica, os resíduos que chegam se juntam prioritariamente nos trechos de desembocadura dos afluentes. “Nesses pontos críticos, formam-se zonas de controle. São obstáculos de fundo que podem criar uma obstrução da seção hidráulica, levando a água a níveis acima dos indicados”, explica Canholi, que é autor do livro "Drenagem Urbana e Controle de Enchentes".
Um agravante ao quadro, segundo Canholi, é o atraso na construção de piscinões. Dos 134 previstos para toda a região metropolitana, apenas 44 saíram do papel. O engenheiro explica que uma das principais funções dos piscinões é reter parte dos resíduos que seguiria para o Tietê. “Esses reservatórios servem para reduzir o pico de vazão, mas também para retenção de sedimentos. Quando a água entra, decanta. E depois você pode retirar a seco. Como há número reduzido de piscinões, os resíduos vão todos para o Tietê”, analisa.
Ex-professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), Julio Cerqueira Cesar Neto concorda com os colegas e argumenta que todas as conquistas da obra de rebaixamento da calha estão em risco. “O rio está muito assoreado. Não se vê há tempos dragas trabalhando no Tietê e isso é preocupante. O desassoreamento precisa ser constante. Aliás, mesmo se o desassoreamento fosse constante, ainda teríamos algum problema. É muita coisa [resíduos] que chega.”
Como entraves ao serviço, o especialista aponta duas questões: a alta complexidade do trabalho de limpeza e a falta de controle sobre a erosão na região metropolitana. Segundo Neto, a tarefa de escavar o leito do rio é penosa e precisa ser feita por dragas –posicionadas nas margens ou em balsas. Além disso, o material que é retirado precisa ser seco, já que água pingaria dos caminhões se eles partissem imediatamente com os resíduos. “E, para piorar, os 'bota-fora' [locais que recebem resíduos] estão cada vez mais raros. Muitas vezes, é preciso transportar os dejetos mais de 30 quilômetros. Se eles forem contaminados, então, o preço do aluguel do local de descarte fica ainda mais caro.”
O ex-professor da Poli alerta ainda para a inexistência de controle sobre empreiteiras responsáveis pela expansão da mancha urbana paulistana. Segundo ele, ao buscar novos terrenos, as empresas fazem a terraplanagem sem qualquer fiscalização e, muitas vezes, intensificam a erosão nos terrenos. “É uma quantidade monumental de detritos que vai para os córregos. A engenharia já tem métodos que diminuiriam esses problemas, mas seria preciso ter controle sobre as obras”, finaliza.