Publicado em 24/04/2010 por celsolungaretti
“Hoje mocinho, amanhã bandido” (slogan de campanhas
antigas contra brinquedos que reproduziam armas).
antigas contra brinquedos que reproduziam armas).
Celso Lungaretti (*)
Por uma questão de princípio, não participo de querelas eleitoreiras.
Para quem, como eu, acredita que os Executivos federal, estaduais e municipais não têm autonomia para decidir o destino da Nação (ditado pelo poder econômico) e cumprem apenas o papel de síndicos do edifício capitalista, seria incoerente conferir peso significativo à escolha desses síndicos.
Estou careca de saber que, num país da importância geopolítica do Brasil, a política econômica será sempre imposta pelo grande capital. Isto é uma espécie de cláusula pétrea de uma Constituição que não está à vista de ninguém, mas tem força bem maior que a de 1988.
Vai daí que continuo apostando todas minhas fichas na organização autônoma dos cidadãos, fora do Estado e contra o Estado, para criarmos uma democracia fundada na priorização do bem comum e dos interesses coletivos. Essa que aí está expressa apenas o primado da usurpação e da ganância.
Mas, como preservo o legado da resistência à ditadura de 1964/85, permito-me criticar atores políticos que iniciaram essa caminhada nas fileiras dos justos e agora se compõem com os injustos.
Caso de José Serra, que acaba de qualificar de “político-eleitoral” a recente greve dos professores da rede estadual de São Paulo.
A criminalização da greve está sendo pleiteada por tucanos e demos (o leitor que decida se são democratas ou demoníacos…) e um parecer equivocado da Procuradoria-Geral Eleitoral veio ao encontro do pleito reacionário.
Ao mesmo tempo em que, para todos os efeitos, apóia a representação do DEM e do PSDB contra a Apeoesp, Serra faz questão de ressalvar que a iniciativa de apresentá-la não foi sua.
É claro que, para um ex-presidente da UNE, trata-se de um ato absolutamente inconcebível, daí a retórica farisaica.
Se não apóia, o que está fazendo ao lado de gente que quer cercear a manifestação política dos sindicatos?
Se não apoiava a presença dos piores brucutus da PM no campus da USP, por que os mandou lá, ao invés de escolher unidades mais aptas para lidar com professores e estudantes?
Se não mudou de idéia acerca dos usurpadores do poder de 1964, por que deixou, durante todo seu governo, que a página virtual da Rota os elogiasse?
Se não apóia as vinganças selvagens da direita contra cidadãos idealistas, por que se pronunciou a favor da extradição de Cesare Battisti?
Não, as evasivas não colam. Se quer eleger-se presidente da República com os recursos da direita e está disposto a todas as concessões para mostrar-se-lhe confiável, que tenha, ao menos, a hombridade de admitir que, hoje, é favorável a manietar sindicatos, barbarizar campus, endossar golpismos e linchar contestadores.
Quanto ao parecer da Procuradoria Eleitoral, vou repisar o óbvio:
- ao pretenderem atrapalhar as pretensões presidenciais de um político que fez o que Serra fez com a Educação em São Paulo, os professores paulistas estavam em seu pleno direito e tinham todos os motivos para agir como agiram;
- se houvessem tomado partido explícito por tal ou qual candidatura oposta à de Serra, o que não fizeram, aí sim se poderia discutir o caráter de sua greve (e mesmo assim, a condenação não seria automática, pelo menos numa democracia).
De resto, sou obrigado a me repetir e a repetir o que o colega Jânio de Freitas brilhantemente escreveu em sua coluna A greve da hora:
“O histórico reacionarismo brasileiro foi que propagou a ideia de que sindicatos e congêneres só podem promover ações sem mais pretensão ou conotação do que reivindicações profissionais específicas. E, ainda assim, bastante estritas e sob legislação muito restritiva.“…Impedir sindicatos e congêneres de se manifestar politicamente seria trazer de volta um pedaço de ditadura.”
Quando presidente da UNE, Serra decerto subescreveria estas palavras.
Como presidenciável demo-tucano, ele não hesita em queimar todas as bandeiras que um dia, dignamente, empunhou.
Deveria ler os Evangelhos:
“Pois, que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma?” (Mateus, 16:26)
* jornalista e escritor (http://naufrago-da-utopia.blogspot.com)