O incêndio no Instituto Butantã (em 15/5) apenas evidencia a falta de investimentos do governo tucano do Estado, há mais de oito anos, em reforma ou melhoria da infraestrutura dos prédios que abrigam pesquisa básica. Cientistas do instituto reclamam que, entre 1989 e 2009, a pesquisa com animais teria passado a ser vista como algo de pouca importância e recebido poucos recursos da Fundação Butantã, organização social gestora do instituto, que é do governo do Estado. Além disso, os baixos salários fez com que a instituição perdesse 24% do quadro de cientistas em cinco anos.
Como se não bastasse, o Instituto Butantã está sendo alvo de investigação da Promotoria Pública para apurar eventuais desvios de verbas que se somam em R$ 100 milhões, conforme explicou o deputado Fausto Figueira que está propondo a formação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para a apurar esta grave crise que envolve a instituição.
Para o deputado, compete à Assembleia Legislativa fiscalizar e investigar o que ele classificou de grave crise envolvendo o centenário Instituto Butantã. Fausto destacou também que, recentemente, vacinas fabricadas na instituição não passaram no teste de qualidade, o que defasou estoques de diversas cidades do Estado. “Mais de 50 cidades do Estado tiveram que interromper a campanha de vacinação contra a gripe para os idosos por falta de doses. Houve falha na distribuição e na confecção. São falhas da estrutura da Secretaria de Saúde do Estado”.
Degradação da estrutura
A ênfase na construção de fábricas e produção de vacinas trouxe como efeito colateral a degradação da estrutura de pesquisa básica, à qual pertencia o acervo de cobras e aranhas, destruído no sábado (15/5) por um incêndio.
As chamas que consumiram a coleção centenária, iniciada por Vital Brazil, não nasceram de uma falha pontual no sistema contra incêndios, mas de uma deficiência estrutural sistêmica que ameaça grande parte do patrimônio histórico e científico do instituto.
O prédio da biblioteca, que ostenta o nome do Instituto Butantã no ponto mais alto do complexo, é exemplo disso. Há goteiras, infiltrações e cupins por todos os lados. Uma sala está sem teto e teve de ser interditada no início do ano por causa de um deslocamento de vigas. Sem instalações adequadas para trabalhar, funcionários recorrem a gambiarras elétricas. Há até um morcego que vive no porão, apelidado de Juquinha. No mesmo prédio funciona, indevidamente, o setor de farmacologia.
Até o chamado "Prédio Novo", que é da década de 1940, sofre de problemas estruturais. O elevador está quebrado há cinco anos, segundo o pesquisador Marcelo De Franco, que trabalha no local. Segundo ele, não falta dinheiro para pesquisa, já que os projetos são financiados por agências externas de fomento, como Fapesp e CNPq. O problema está mesmo na parte de infraestrutura, que é de responsabilidade da instituição. "A Fundação Butantã deveria olhar para todo o instituto, mas só tem olhos para a fabricação de vacinas", afirma Franco.
Reforma parada. Desde 2002 não há gastos em reformas nos imóveis do instituto. Naquela ocasião, foram aplicados apenas R$ 4,8 mil, em valores corrigidos, no item. No ano anterior o valor foi de R$ 180 mil. Só a reforma do prédio da biblioteca custaria R$ 4 milhões. Desde 2007, porém, houve crescimentos do gastos com manutenção.
Membros do primeiro escalão da instituição admitem que é urgente retirar o setor de pesquisa dos prédios históricos, medida em discussão há oito anos. A estrutura elétrica desses locais e do instituto como um todo está inadequada, tanto que o desligamento da energia antes do incêndio era para preparar a rede para a nova fábrica de vacinas contra a gripe. A secretaria estadual da Saúde, a qual o Butantã está subordinado, alegou ter investido R$ 2,6 milhões na infraestrutura nos últimos quatro anos.
Evasão de cientistas
O Instituto Butantã sofre com a evasão de recursos humanos. Nos últimos cinco anos, o número de pesquisadores da instituição caiu de 210 para 160 - redução de 24%, apesar de contratações feitas nesse período, segundo o pesquisador Marcelo De Franco, do Laboratório de Imunogenética, que coordenou o último concurso, em 2009.
"Perdemos gente também para a Fiocruz, que tem salários mais competitivos", complementa De Franco. Segundo ele, o salário de pesquisador no Butantã começa em R$ 2.700 (nível 1) e pode chegar a R$ 6.400 (nível 6), enquanto que na Fiocruz o teto é de R$ 14 mil e na Embrapa, R$ 12 mil. "Todos os institutos de pesquisa do Estado estão sofrendo com uma evasão séria de pesquisadores", diz ele.
*com informações dos jornais O Estado de São Paulo e Folha de S. Paulo - 20/5/2010