A garfada do ICMS
por Celso Ming, em O Estado de São Paulo - 12/07/2007
A voracidade dos Estados está aprofundando o estatuto da substituição tributária na arrecadação do ICMS. E isso está provocando graves distorções.
Embora pareça, este não é um assunto complicado. Substituição tributária é um mecanismo que transfere a arrecadação de um imposto para o início da cadeia produtiva: em vez de cobrar na loja, cobra-se na indústria.
Um tormento dos governos estaduais é cobrar o ICMS no varejo, onde a sonegação é enorme.Assim, a partir de 1989, em vez de cobrar o tributo no posto de gasolina, o Estado de São Paulo passou a cobrá-lo na refinaria de petróleo ou na usina de álcool. E, nos dois últimos anos, esse procedimento foi estendido a 23 setores, proporcionando, em plena crise, nada menos que R$ 3 bilhões de arrecadação adicional, em 12 meses, ou 4% a mais.
Para saber quanto cobrar de imposto no varejo, o Fisco estadual tem de arbitrar um preço. São incomensuráveis os casos em que a cobrança fica escorchante. Em qualquer liquidação, feirão de fim de semana ou promoção, os preços ao consumidor podem cair a menos da metade.
Mas na indústria o imposto já foi recolhido na base dos 100%.Para definir o preço, as Secretarias da Fazenda encomendam pesquisas de mercado, que sempre estão atrasadas e não levam em conta fatos novos ou fatores sazonais. Embora possa cair o dólar, afundar os preços das commodities - como tem ocorrido - ou na meia estação o setor têxtil tenha de liquidar linhas de verão, a derrubada do preço final não é vista pelo arrecadador.
Até junho, o Fisco paulista se comprometia a devolver o que cobrasse a mais. Mas deixou de fazê-lo com base em lei editada em dezembro. O coordenador de Administração Tributária da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, Otavio Fineis Junior, explica que essa lei veio para combater outros tipos de sonegação: muitos comerciantes manipulavam os preços para obter créditos mais altos. Por exemplo, no negócio com um carro novo, a concessionária atribuía valor menor ao carro zero e compensava a diferença no carro usado dado como entrada, que não leva ICMS. Outro caso: supermercados que tinham postos de gasolina baixavam os preços para alavancar as vendas e depois iam buscar ressarcimento.
Há dias, o Ministro da Fazenda, Guido Mantega, denunciou outra distorção. A prática da substituição tributária pelos governos estaduais, revelou, impediu a queda dos preços dos aparelhos domésticos beneficiados pela redução do IPI, porque a cobrança do ICMS na indústria corroeu o capital de giro do setor.
Distorções desses e de outros tipos estão levando o comércio a a recorrer à Justiça. Mas a briga judicial será complicada, pois o artigo 150 da Constituição define que o governo só é obrigado ao ressarcimento se a venda não ocorrer (ausência do "fato gerador presumido"). Nos casos de preço mais baixo, a devolução depende de legislação estadual.
O advogado Ives Gandra Martins explica que, do ponto de vista do Fisco, nada é melhor do que a substituição tributária. Há mais fiscalização e a mordida do imposto pode mudar a qualquer hora. Mas adverte que o contribuinte sai prejudicado: "Ele é obrigado a se autofinanciar em ambiente de crise para antecipar o imposto, em vez de pagá-lo quando estivesse recebendo", diz.
Medidas populares desagradam empresários
por Yan Boechat e César Felício, no Valor Econômico - 05/06/2009
Nas últimas duas décadas, nenhum partido no país conseguiu criar uma identificação tão grande com o setor empresarial brasileiro quanto o PSDB. Foi no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) que demandas históricas do PIB nacional, como a liberalização da economia, a modernização do Estado e a transferência de setores estratégicos, estatais e monopolistas, para a iniciativa privada foram concretizadas.
Nas últimas duas décadas, nenhum partido no país conseguiu criar uma identificação tão grande com o setor empresarial brasileiro quanto o PSDB. Foi no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) que demandas históricas do PIB nacional, como a liberalização da economia, a modernização do Estado e a transferência de setores estratégicos, estatais e monopolistas, para a iniciativa privada foram concretizadas.
É este paradoxo que preside a relação do empresariado com o principal pré-candidato do partido, a maior figura nacional do PSDB nesta primeira década do século 21, o governador de São Paulo, José Serra. Herdeiro natural de Fernando Henrique no cenário nacional, Serra acumula muitos dos predicados que agradam o empresariado brasileiro, tanto na esfera econômica quanto na gestão pública. Mesmo assim, o governador paulista está longe de conquistar os corações e as mentes do setor produtivo. Em sua vasta maioria, os empresários o veem como um administrador autoritário, inflexível e com atitudes quase ditatoriais.
As críticas se repetem desde que Serra assumiu o Ministério da Saúde, no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, onde começou a ser preparado, de fato, para sucedê-lo na Presidência. Seu projeto de implantação dos remédios genéricos no país e a quebra de patentes de anti-virais no combate à Aids foi extremamente bem recebido pela população, mas acendeu uma luz de alerta no setor empresarial.
Os casos de decisões unilaterais se sucederam ao longo dos anos e culminaram na última batalha em campo aberto entre o governador paulista e empresários, ainda em curso. Dessa vez, a briga é por conta de um novo sistema de cobrança do ICMS, conhecido como substituição tributária. "Ele não negocia, não ouve ninguém, age como se fosse o senhor absoluto, está fazendo tudo errado", diz um empresário de ligação histórica com o PSDB.
José Serra conhece sua fama de autoritário. Sabe que na maior parte das vezes ela lhe trouxe ativos políticos importantes, como na questão dos genéricos, e sempre a considerou uma espécie de efeito colateral inevitável. Mas agora, às vésperas de uma nova e difícil eleição presidencial na qual provavelmente será o candidato pela última vez ao cargo máximo do país, começa a se preocupar com a pecha de inflexível que lhe foi concedida pelo setor empresarial.
"O Serra mudou, em todas as decisões que toma consulta os setores envolvidos", diz o diretor de Comércio Exterior da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Roberto Gianetti da Fonseca, que vem prestando uma espécie de consultoria informal ao governador. "O que falta é ele mostrar isso", diz Gianetti da Fonseca.
Para a mais de uma dezena de empresários, executivos de grandes empresas e associações de classe ouvidos pelo Valor falta bem mais do que isso. A visão dominante sobre o governador de São Paulo ainda não registra este José Serra mais aberto ao diálogo democrático ao qual Gianetti se refere. As últimas medidas polêmicas adotadas pelo governador, como a criticada substituição tributária e a restritiva lei de combate ao fumo, talvez estejam amplificando as críticas. Mesmo setores que não foram atingidos por essas decisões continuam vendo Serra como um político que tem o autoritarismo em seu DNA.
"Serra é brilhante intelectualmente, provavelmente um dos políticos mais bem preparados do país, mas ele não sabe compor, não consegue agregar e é extremamente intervencionista", diz o presidente de uma multinacional com operações em todo o país e com faturamento contado aos bilhões. "Ele é o menos indicado para dar sequência à prática política positiva de [Luiz Inácio] Lula [da Silva] de fazer com que os diversos setores da sociedade participem da formulação de programas", diz o executivo, que não teve suas operações impactadas pelas últimas medidas do governador paulista.
"Serra é brilhante intelectualmente, provavelmente um dos políticos mais bem preparados do país, mas ele não sabe compor, não consegue agregar e é extremamente intervencionista", diz o presidente de uma multinacional com operações em todo o país e com faturamento contado aos bilhões. "Ele é o menos indicado para dar sequência à prática política positiva de [Luiz Inácio] Lula [da Silva] de fazer com que os diversos setores da sociedade participem da formulação de programas", diz o executivo, que não teve suas operações impactadas pelas últimas medidas do governador paulista.
A opinião é comungada por um outro executivo, este do setor de infraestrutura. "É raro encontrar alguém como o Serra, com o preparo dele, mas ele não ouve ninguém, parece ficar cego com suas idiossincrasias", diz o executivo, relatando uma conversa ríspida que teve com o governador a respeito de problemas enfrentados por sua empresa com uma grande estatal paulista. "Ele simplesmente disse que se levantaria da mesa se o assunto não fosse encerrado imediatamente", relembra o executivo.
As críticas se acentuam à medida que os empresários são impactados pelas decisões tomadas pelo governador paulista. "Esse governo é ímpar em não ter diálogo", afirma o presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Luiz Carlos Guimarães, ao criticar o sistema de substituição tributária para a energia vendida no mercado livre. De acordo com ele, o único caminho para resolver o impasse será a Justiça. "O governo conseguiu a proeza de colocar todo o setor contra ele".
A substituição tributária é a batalha da vez entre José Serra e o setor empresarial. Por esse sistema, o ICMS é cobrado na fonte da cadeia produtiva industrial. Isso significa que o recolhimento do tributo cabe à indústria, que o fará de acordo com um preço ao consumidor final estimado pela Secretaria da Fazenda de São Paulo. Com isso, tanto o distribuidor quanto o varejista que venderá o produto, seja este energia elétrica ou um colchão de molas, paga à indústria um valor onde já estão agregados os impostos. "Essa prática é no mínimo burra, porque ela não leva em conta o livre mercado", diz um empresário do setor. "O varejista não pode mais fazer promoção, não pode mais negociar preço com a indústria, porque o Estado já tabelou o valor final", diz. "Se ele vender abaixo desse preço, vai pagar imposto sobre aquele valor definido pelo Estado de qualquer maneira".
A medida, adotada em total desacordo com o setor empresarial paulista, tem criado uma série de feitos colaterais. Por conta do que os varejistas consideram como sobre-tributação, muitos desistiram de comprar produtos dos distribuidores paulistas. Esses, por sua vez, estão transferindo as operações para Estados vizinhos, como Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e mesmo Goiás.
Como o governo paulista não pode exigir o mesmo sistema de tributação a empresas de outros Estados, os produtos produzidos em São Paulo viajam para Estados vizinhos e retornam a São Paulo. E como não há postos fiscais nas rodovias paulistas, a chance de que a sonegação aumente cresce ainda mais. "O Serra está mal assessorado, não é possível", diz um executivo que afirma ser eleitor de longa data do governador paulista. "Está todo mundo apavorado, ele está fazendo isso em ano pré-eleitoral, o que poderá fazer se for presidente?"
A Secretaria de Fazenda de São Paulo afirma que adotou a medida para coibir a sonegação e que aqueles que criticam a medida estão, na verdade, se opondo a um controle mais efetivo contra as irregularidades. Com essa e outras medidas o governo paulista espera ampliar sua arrecadação do ICMS em R$ 5 bilhões no acumulado de 12 meses. Para muitos empresários, Serra está, na verdade, acumulando capital político ao ampliar a arrecadação às custas do setor. "Com o nosso sacrifício ele vai poder chegar nas eleições dizendo que ampliou a arrecadação, que tem superávit, que é um ótimo administrador", diz um executivo.
Independente de como vai obter esses resultados, a austeridade fiscal, o controle dos gastos públicos e a modernização da máquina serão bandeiras que José Serra levará para o embate eleitoral. Mesmo sem admitir que pretende ser candidato à Presidência, o governador paulista já vem fazendo comparações nesse sentido com o governo federal. Por mais de uma vez Serra afirmou publicamente que o superávit fiscal do Estado de São Paulo foi maior em números absolutos do que o da União no primeiro trimestre deste ano. E que enquanto a arrecadação federal cai, a estadual sobe.
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Substituição tributária x consumidor: regime impacta no preço final do produto?
em Infomoney - 14/07/2009
O risco de a substituição tributária inviabilizar os benefícios da redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) concedida a alguns setores pelo governo federal tem gerado polêmica.
De acordo com o diretor da Felisoni Consultores Associados, Nelson Bruxellas Beltrame, o impacto nos preços, ocasionado pela redução do IPI nos produtos da chamada linha branca, foi anulado no estado de São Paulo devido à substituição tributária promovida pelo governo estadual.
Opinião parecida tem a senadora Ideli Salvatti (PT-SC), ao afirmar, segundo a Agência Senado, que a forma como se faz a substituição tributária é algo que preocupa, porque vem na contramão da desoneração fiscal feita pelo governo federal para aquecer a economia. "Assim, a substituição pode acabar levando ao aumento da carga tributária", afirmou a senadora, nesta terça-feira (14), na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos).
Por outro lado, o consultor tributário Luciano Garcia Miguel, representante da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, rebateu as críticas, durante a audiência, ao explicar que a substituição tributária vem sendo aplicada desde a década de 1980 com o objetivo não só de aumentar a arrecadação, mas de estabelecer uma tributação mais justa.
Efeito anulado?
A substituição tributária é um regime que transfere para o início da cadeia produtiva o recolhimento do ICMS das demais fases, até o consumidor final. Segundo Beltrame, esse regime interfere diretamente na forma de precificação das empresas distribuidoras, ou seja, ao supor um valor, uma "margem teórica", para efeito de tributação do ICMS, o Fisco passa a direcionar, mesmo que de forma indireta, o custo ao consumidor.Como efeito prático, segundo o consultor, a medida acaba por minimizar o benefício da diminuição da alíquota do IPI, adotada recentemente pelo governo federal a fim de estimular o consumo.
Combate à sonegação
De acordo com a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, no entanto, a substituição tributária é uma das grandes aliadas do governo no combate à sonegação e, ao contrário do que vem sendo dito, não interfere nos preços do varejo. Segundo nota explicativa sobre o tema, o valor do imposto a ser pago é o mesmo, com ou sem a substituição tributária. O regime não aumenta imposto, apenas o concentra na etapa inicial da cadeia. Ainda de acordo com a nota, o imposto pago no início da cadeia será calculado por pesquisa de preços, que deverá ser realizada por instituto de grande reputação. Segundo a assessoria de comunicação da Secretaria, é o próprio setor econômico que contrata a pesquisa e encaminha os resultados à Fazenda. Dessa forma, segundo a explicação, "garante-se aderência à realidade do mercado, sem impacto na formação de preço".