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Sexta-feira, Setembro 30, 2011
COLÔMBIA, atualização: mais civismo e menos violência
A violência na Colômbia tem uma história interessante no imaginário brasileiro. Parte da Inteligência brasileira descobriu que a Colômbia era um país violento a partir de notícias curtas na mídia sobre os cartéis e sobre a narco-guerrilha. As fontes eram impressionísticas, e as análises, pobres, não eram acadêmicas nem sérias. Uma percentagem menor dos brasileiros recebeu informações sobre a existência de progressos feitos pela Colômbia, particularmente em Bogotá e Medellín. Porém, o êxito de políticas públicas no Brasil, particularmente em São Paulo, depois em Minas e, mais recentemente, no Rio de Janeiro, assim como o fim do segundo mandato de Uribe, um alvo predileto da esquerda, reconduziram as notícias sobre a Colômbia ao ostracismo. Esquecemos a Colômbia e seus avanços.
Não obstante, a experiência criminológica no espaço colombiano é rica e variada. Há muito mais a conhecer do que já conhecemos. O primeiro desconhecido é o caráter persistente da redução dos homicídios: não foi um resultado transitório, revertido após alguns anos de baixa. Tomando, por conveniência, os dados a partir de 2003-4, vemos que houve baixa dos homicídios de um ano para o seguinte, todos os anos: 11,5%, de 2003 para 2004; 4,6% de 2004 para 2005, e assim por diante, respectivamente 2,8%; 7,3%; 3,2%; 3,4% e 5,4%. Redução variável, maior em uns anos do que em outros, mas que se manteve desde 2003, segundo o relatórioPolítica Nacional de Seguridad y Convivencia Ciudadana que acaba de ser divulgado pelo Departamento Nacional de Planeación, Dirección de Justicia, Seguridad y Gobierno. A Colômbia está ficando cada vezmenos violenta.
Qual é a história da violência contemporânea na Colômbia? O relatório não cobre o comportamento homicida na Colômbia antes de 2003, mas as estatísticas históricas estão disponíveis em outras fontes e são de boa qualidade. A Colômbia atingiu o auge da violência homicida há vinte anos, em 1991, com uma taxa de 78 homicídios por 100 mil habitantes. Foi quando se iniciou o declínio das taxas anuais: 77, 75, 70, 65, 67, 60, 56, 59, 63, atingindo 47, em 2001, ano no qual a taxa foi semelhante à de 1986, quinze anos antes. Quinze anos para voltar a um nível alto, porém não gigantesco. Esses dados estão disponíveis pela internet, uma virtude cívica.
A segunda informação trata da disparidade entre os municípios. É de especial interesse porque a polícia é administrada pela prefeitura e não pelo governo estadual, como aqui. Há, na Colômbia, quatro municípios com taxas mais altas do que 200 homicídios por 100 mil habitantes. O pior, La Apartada, com 312; seguido por El Dovio, com 233; Puerto Rondón, com 231 e Vistahermosa com 210. Já Bogotá, outrora a capital latino-americana da violência, figura entre os municípios menos violentos, com 18 homicídios por 100 mil habitantes, bem menos do que os 33,5 de nossa capital, o Distrito Federal. A diferença do padrão colombiano em relação ao brasileiro é que esses são municípios pequenos, com populações totais que variam entre menos de quatro mil e pouco mais de 23 mil. No Brasil, as altas taxas de homicídios tendem a caracterizar os municípios da região metropolitana das capitais e muitos dos municípios pequenos são pouco violentos.
Os autores do relatório chegaram a uma série de conclusões-recomendações: a prevenção é mais eficiente e mais barata do que a reabilitação; a prevenção não colide com a aplicação da lei – é uma complementação; o crime é multicausal, mas há fatores que preponderam; as intervenções públicas devem ser integradas, mas há necessidade de atuações focalizadas. É uma lembrança de que o homicídio não é do mesmo tipo em diferentes lugares. Concluem, ousadamente, que quando mais cedo se der a intervenção, melhor, começando com a criança ainda no ventre materno. Como assim?, perguntarão alguns leitores. Evitando deficiências provocadas por comportamentos errados durante a gravidez (como fumar ou beber), que provocam deficiências em muitas crianças, além de iniciar os programas de treinamento familiares antes do nascimento das crianças. Os competentes estudiosos colombianos sublinham que a família e a escola são dois loci fundamentais para a intervenção. Em oposição aos que defendem intervenções rápidas por considerações baseadas no custo, eles enfatizam que as intervenções prolongadas, nas que existe um acompanhamento contínuo das crianças, das famílias e dos professores, produzem resultados muito melhores e que duram mais. A ampla experiência com ações policiais os levou a concluir que elas são essenciais, tornando-se mais eficientes se forem focalizadas na área e no tipo de problemas. Com isso, evita-se cair no erro de crer que o mesmo conjunto de ações serve para todos os casos. A previsão da violência (e homicídios) doméstica difere em quase tudo da previsão da violência ligada ao tráfico de drogas. Ampliaram o número de prisões e de vagas nas prisões, mas enfatizam que as penas alternativas devem ser o padrão, sendo a prisão reservada aos crimes violentos e aos reincidentes. Aqui há um choque de filosofias e de explicações do crime que resulta em divergências profundas com as políticas públicas das versões mais duras dos programas de Tolerância Zero, cuja base teórica afirma que o crime é evolutivo e que as pessoas que cometem os crimes mais violentos começam com crimes menores. Nessa ótica, é importante prendê-los cedo.
Um ponto que tem sido reiterado pelos pesquisadores e estudiosos sérios no mundo inteiro é que qualquer política deve ser avaliada, ainda que a avaliação seja cara. As autoridades colombianas responsáveis pelo relatório avisam que é ainda mais caro não avaliar, porque permite que as políticas inócuas ou contraproducentes continuem a ser implementadas.
A Colômbia continua progredindo na luta contra a violência.
GLÁUCIO SOARES/IESP-UERJ