Alma lavada: Entidades comemoram decisão contra lei da dupla porta
(do site Vi o Mundo, por Conceição Lemes)
Em todo o Brasil, entidades e movimentos comprometidos com o SUS estão de alma lavada.
Em decisão histórica, o desembargador José Luiz Germano, da 2ª Câmara
 do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), confirmou nessa 
quinta-feira, 29, a liminar do juiz Marcos de Lima Porta, da Quinta Vara
 da Fazenda Pública, que derrubou a lei que permite aos hospitais 
públicos geridos por Organizações Sociais de Saúde (OSs) vender 25% dos 
seus leitos e outros serviços a planos privados de saúde e particulares.
É a lei 1.131/2010, mais conhecida como lei da dupla porta.
Em agosto, os promotores Arthur Pinto Filho e Luiz Roberto Cicogna  
Faggioni, da  Promotoria de Justiça de Direitos Humanos e Saúde Pública 
Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE), deram entrada à ação 
civil pública, com pedido de liminar, contra essa lei estadual.
O juiz Lima Porta acatou a representação e concedeu a liminar, 
proibindo a venda de 25% dos serviços do SUS a planos privados de saúde.
 A Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo recorreu da decisão, mas o 
desembargador José Luiz Germano negou o agravo.
O arrazoado do magistrado (íntegra, no final) é antológico. 
Emocionante. Uma peça de defesa de princípios como igualdade, dignidade 
da pessoa humana, saúde, moralidade pública, legalidade, impessoalidade:
“A saúde é um dever do Estado, que pode 
ser exercida por particulares. Esse serviço público é universal, o que 
significa que o Estado não pode distinguir entre pessoas com plano de 
saúde e pessoas sem plano de saúde. No máximo, o que pode e deve ser 
feito é a cobrança contra o plano de saúde. Para que isso ocorra já 
existem leis permissivas…”
“A institucionalização do atendimento aos
 clientes dos planos particulares, com reserva máxima de 25% das vagas, 
nos serviços públicos ou sustentados com os recursos públicos, cria uma 
anomalia que é a incompatibilização e o conflito entre o público e o 
privado, com as evidentes dificuldades de controle”.
“O Estado pretende que as organizações 
sociais, em determinados casos, possam agir como se fossem hospitais 
particulares, mesmo sabendo-se que algumas delas operam em prédios 
públicos, com servidores públicos e recursos públicos para o seu 
custeio! Tudo isso para justificar a meritória iniciativa de cobrar dos 
planos de saúde pelos serviços públicos prestados aos seus clientes? 
Porém, é difícil entender o que seria público e o que seria privado em 
tal cenário. E essa confusão, do público e do privado, numa área em que 
os gastos chegam aos bilhões, é especialmente perigosa, valendo apena 
lembrar que as organizações sociais não se submetem à obrigatoriedade 
das licitações nas suas aquisições”.
“O paciente dos planos de saúde tem a sua
 rede credenciada, que não lhe cobra porque isso já está embutido nas 
mensalidades. Se ele precisar da rede pública, poderá utilizá-la sem 
qualquer pagamento, mas sem privilégios em relação a quem não tem plano.
 A criação de reserva de vagas, no serviço público, para os pacientes de
 planos de saúde, aparentemente, só serviria para dar aos clientes dos 
planos a única coisa que eles não têm nos serviços públicos de saúde: 
distinção, privilégio, prioridade, facilidade, conforto adicional, 
mordomias ou outras coisas do gênero”.
PROMOTOR: “DECISÕES HISTÓRICAS, UMA VITÓRIA DA SOCIEDADE” 
“Na prática, essa decisão desembargador José Luiz Germano reitera que
 o Icesp [Instituto do Câncer do Estado de São Paulo] e o Instituto de 
Transplantes, que foram os primeiros autorizados a comercializar seus 
serviços, não podem vender 25% dos leitos para planos privados de 
saúde”, comemora o promotor Arthur Pinto Filho. “Ambas as instâncias da 
Justiça de São Paulo [Quinta Vara da Fazenda Pública e TJ] entenderam 
que a lei 1.131/10 e seu decreto regulamentar violam completamente os 
princípios do SUS.”
“São decisões históricas que, por certo, levaram em conta 
estritamente o direito”, salienta Pinto Filho. “Mas, por certo, também 
foi fundamental a posição unânime das entidades e movimentos sociais de 
São Paulo ligados à saúde contra a essa lei extremamente perversa, 
injusta.”
“É uma vitória dos conselhos Nacional, Estadual e Municipal de Saúde,
 Cremesp, Sindicato dos Médicos, Conselho Regional de Psicologia, 
sindicatos e do movimento popular”, aplaude o promotor. “Mas, o mais 
importante, é uma vitória da sociedade, que, em 7 de abril deste ano, 
fez uma enorme passeata em nossa cidade e entregou ao MP uma 
representação contra a iníqua lei.”
“QUE SE CRIA UMA JURISPRUDÊNCIA  QUE DEFENDA O CIDADÃO E O SISTEMA PÚBLICO DE SAÚDE” 
“Esperamos que a contudente decisão  do desembargador ajude a 
sepultar de vez a lei 1131”, afirma Mário Scheffer, presidente do Grupo 
Pela Vidda, entidade que liderou a representação ao MP. “Que ela sirva 
também de alerta aos deputados estaduais que aprovaram a 1131 em 
dezembro do ano passado e logo devem votar o projeto de lei que legaliza
 a dupla porta do Hospital das Clínicas de São Paulo. Aliás,  já 
entramos no MP com representação contra ele.”
Gilson Carvalho,  médico pediatra e de Saúde Pública e batalhador 
incansável do SUS, surpreendeu-se positivamente com a decisão do 
desembargador José Luiz Germano.
“Contávamos que a liminar iria cair horas ou dias depois. Os dias se 
passaram e não entendíamos o que ocorria. Finalmente hoje entendemos. A 
Justiça parece estar pensando diferente desde a declaração do juiz na 
liminar e agora do desembargador”,  afirma Carvalho. “A comparação que 
mais se adéqua à lei 1.131 é a do casal em dificuldades financeiras que 
induz a filha à prostituição para manter o equilíbrio econômico e 
financeiro familiar.”
“Finalmente, o Judiciário parece que está dando respostas. 
Recentemente, tivemos decisões judiciais coibindo as OSs nos estados de 
Mato Grosso e Paraíba. E, sem dúvida, essa decisão do TJ-SP é a maior 
delas até agora”, bate palmas Paulo Navarro, presidente da Associação 
dos Médicos Residentes do Estado de São Paulo (Ameresp). “Que venham 
outras decisões tão boas. Temos pela frente ainda o julgamento da ADIn 
contra as OSs e vários processos nos estados e municípios acontecendo. 
Que se crie uma jurisprudência que defenda o cidadão e o sistema de 
saúde pública.”
Inegavelmente, uma vitória de quem acredita no SUS e na Justiça.
 
 
 
 
 
