por Sylvio Micelli
Para mim existem dois tipos de frase: as frases de efeito, marcadas pela inteligência, sarcasmo, perspicácia e, geralmente, pedagógicas, e as frases-defeito, que são ditas, normalmente sem pensar e que entram para a história pela futilidade, tolice ou falta-do-que-dizer de seus emissários, tal como um corolário que decorre de um teorema.
O recém empossado governador paulista Geraldo Alckmin protaganizou tal ato falho nesta semana, quando o estado de São Paulo e boa parte do País estão submersos diante do descaso do poder público, aqui ou alhures. O roteiro das chuvas se repete. Um ano atrás, casas rolaram morro abaixo no Rio de Janeiro, córregos inundaram São Paulo e a região de montanha, paulista ou fluminense, volta a contabilizar seus mortos. Mudaram-se os palcos – as cidades atingidas são diferentes; mudaram-se os atores – os mortos são outros; mas os produtores da tragédia são sempre os mesmos. Um ano atrás escrevi, ironicamente, que “São Pedro é o eterno culpado“.
Alckmin afirmou que “obras não ficam prontas em 24 horas”. Acredito que para solucionar os problemas, então, devemos chamar o Jack Bauer, protagonista da série de TV “24 horas”.
O “novo” governador não pode usar nenhuma das duas desculpas esfarrapadas, comuns a quem assume cargos no Executivo. Não pode alegar que desconhece o problema, pois é a terceira vez que assume o mandato e se terminá-lo em 31 de dezembro de 2014, terá sido o segundo governante há mais tempo no poder, só perdendo para o histórico (para o bem ou para o mal), Ademar de Barros.
Pior ainda… Alckmin não pode alegar que herda uma “herança maldita”, afinal o seu partido está no governo de São Paulo há 16 anos e, ao final de seu mandato, terá completado duas décadas. Ou seja: se houver alguma herança bendita ou maldita, ela terá sido gerida no próprio tucanato.
Ou seja: é bem verdade que “obras não ficam prontas em 24 horas”, mas pouco tem sido feito pelo governo do PSDB e mesmo na cidade de São Paulo, em relação às chuvas que sempre acontecem nesta época do ano e sempre matam. As desculpas são as mesmas: ‘que a quantidade de chuva foi além das expectativas’, ‘que foram aplicados X reais na construção disso ou daquilo’, mas solução que é bom, ainda estamos por aguardar.
Um outro fato que devemos levar em consideração é a parcimônia de boa parte da mídia em relação às chuvas. A mesma mídia que batia em Luiza Erundina e em Marta Suplicy – com seus defeitos e qualidades – não aparece agora com a mesma sanha inquisidora em relação aos atuais governantes. Faz uma cobertura pífia, num misto de drama pessoal e resignação por “culpa” da natureza. “Esquecem” de responsabilizar o governante da vez.
De tudo isso resta-nos torcer para:
1. que o poder público e suas diversas instâncias não sejam cúmplices de mais mortes, evitando construções irregulares e, principalmente, fazendo uma política habitacional decente para que as famílias não precisem ficar junto a morros, córregos ou rios;
2. que o poder público e suas diversas instâncias façam uma operação conjunta para a solução dos problemas. Municípios, Estados e União devem estar, efetivamente, juntos no combate às enchentes. Do contrário estaremos contando novos mortos a cada início de ano;
3. que a população – também com sua parcela de responsabilidade – não jogue lixo nas ruas, mesmo os “mínimos” detritos, e muito menos em córregos e rios.
Vale a pena sempre lembrar a lição que Einstein nos deixou: “Quando agredida, a natureza não se defende. Apenas se vinga.”
E espero que em 2012, não tenha mais que escrever sobre chuvas, exceto em poemas, posto que são belas e altamente inspiradoras.