Para geólogos e urbanistas ouvidos pela Rede Brasil Atual, cidades brasileiras não têm planejamento urbano. Com falta de moradias, a população busca alternativas em áreas que não deveriam ser habitadas
Publicado em 01/06/2010, 14:35
Última atualização às 13:55
Inundações como a que atingiu o Jardim Pantanal em São Paulo deixam moradores em risco (Foto: Suzana Vier/Rede Brasil Atual)
São Paulo - Maria do Rosário e toda a família deixam a casa no Jardim Pantanal, toda vez que chove forte. Desde dezembro de 2009, a pequena residência de quarto, sala e cozinha é vítima de constantes inundações e a cada nova ocorrência, a família busca ajuda com amigos e vizinhos. Quando o córrego próximo da casa volta ao normal, ela pega os objetos pessoais e volta à casa até a próxima enchente.
Rosário mora em uma das 1.500 áreas de risco mapeadas em São Paulo, em que estão aproximadamente 1,5 milhão de pessoas. Inundações que atingem cidades como São Paulo e Salvador e deslizamentos como os que sofreram as populações de Angra dos Reis, Blumenau e Rio estão entre os tipos mais comuns de ocorrências envolvendo áreas de risco no Brasil, explica Eduardo Soares de Macedo, geólogo do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).
Levantamento do instituto aponta que os deslizamentos causaram a morte de 2.037 pessoas em 211 cidades brasileiras de 1988 a 2009. Segundo o presidente da Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental (ABGE), Fernando Kertzman, a cada 8 ou 10 anos o Brasil sofre com acidentes desse tipo, mas a situação piorou nos últimos anos. “Primeiro porque está aumentando o número de pessoas em áreas de risco. Segundo porque há mais áreas de risco ocupadas que no passado”, descreve.
Outro problema detectado por Kertzman, que também é geólogo, é o aumento das chuvas, em quantidade e intensidade. “As chuvas estão mais fortes e mais intensas”, avalia.
Como se formam
“As áreas de risco se formam porque as pessoas não têm onde morar. Elas têm de morar em algum lugar. Muita gente começa até embaixo da ponte e depois migra para áreas onde houve abandono do mercado imobiliário”, narra Macedo do IPT.
Em geral, a população mais carente busca áreas desvalorizadas pelo mercado imobiliário e esquecidas pelo poder público, como beira de rio e morro. “Essas áreas são abandonadas porque têm baixo valor imobiliário ou são ruins de se ocupar. Aí se formam áreas de risco, onde o mercado imobiliário não tem interesse”, cita.
“Essa é uma relação muito perversa e tem a ver com a questão social”, elucida o pesquisador do IPT. “A questão das áreas de risco é muito mais ampla do que simplesmente um morro ocupado por uma favela”, detecta.
Planejamento urbano
Apesar dos componentes naturais que contribuem para o agravamento do problema, o especialista frisa que falta planejamento urbano e principalmente moradias populares para atender a população mais carente, que procura áreas de risco por falta de opção habitacional e renda.
Kertzman afirma que a maior parte dos municípios brasileiros não estão estruturados para lidar com emergências como inundações e deslizamentos. “Falta planejamento urbano. Este é um problema de gestão pública”, analisa.
“Por falta de opção a população vai para o morro”, argumenta o geólogo. Um enorme programa de habitação popular poderia resolver a questão, sugere Kertzman.
O arquiteto e urbanista Nabil Bonduki, concorda em atribuir à falta de planejamento urbano uma das principais causas do problema na capital paulista, onde ele critica o abandono do Plano Diretor. “Ele está largado como proposta geral para o município”, condena.
Ele alerta para a necessidade de uma política fundiária mais agressiva da prefeitura. “É preciso aprovar um plano que combata a especulação imobiliária em terrenos e prédios ociosos”. Além disso, Bonduki propõe a urbanização de favelas com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal.
Mas avisa, “essa é uma questão para ser resolvida a médio e longo prazo”. Contudo, as ações têm de ser imediatas para apresentarem resultado o mais rápido possível.
De acordo com Bonduki, a prefeitura de São Paulo não tem produção habitacional para resolver a falta de moradias e o bolsa-aluguel para as famílias atingidas não resolve o problema das áreas de risco, só as transfere de lugar“, denuncia.
"Quando a prefeitura tira pessoas de áreas de risco, só reproduz o problema", sustenta. Ao dar o "cheque-despejo" aos desalojados, que tiram as pessoas de uma área de risco mas só permitem que elas dirijam-se para outra área em condições igualmente problemáticas. "Com aquele valor não se encontra nada e esse pessoal vai para outra área. Você pode até dizer: tiramos 5 mil famílias de área de risco, mas aí elas vão para outra”, explica.
Bons exemplos
Em Santa Catarina, a cidade de Blumenau não estava preparada em 2008 para os seguidos deslizamentos que deixaram 9 mil famílias desabrigadas e dezenas de mortos. Mas depois de dar o atendimento emergencial à população, o município reestruturou o planejamento urbano e a Defesa Civil do município. Onde e como construir a partir deste ano têm normas rígidas a serem seguidas. A cidade tem a única Defesa Civil do estado de Santa Catarina com status de secretaria e com atribuições de fiscalização, além do atendimento emergencial à população.
Belo Horizonte (MG), Recife (PE) e São Bernardo do Campo (SP) também são apontadas pelos especialistas ouvidos pela Rede Brasil Atual como exemplos de cidades em que o gerenciamento das áreas de risco é prioridade no planejamento urbano.
"O gerenciamento das áreas de risco envolve ações que precisam de continuidade e priorização", ensina Macedo. "No Recife criaram um sistema metropolitano com mapeamento, gerenciamento, formação de equipes, obras, fiscalização. Muito bom trabalho", assegura. "Em Belo Horizonte, o trabalho começou em 1994 e os governos municipais estão dando continuidade", detalha o especialista do IPT.
Macedo e a arquiteta Nadia Somekh citam ainda a iniciativa de São Bernardo do Campo (SP). A prefeitura retirou 1.100 famílias de áreas de risco e além de oferecer aluguel-social está produzindo habitação e priorizando o atendimento à população dessas áreas, informa Nádia.