Elas falam que garota levou chutes e ficou feito "porco" com bola na boca; PM nega
Érica Saboya, do R7
Tortura foi a palavra escolhida por duas mães de estudantes da USP (Universidade de São Paulo) para descrever a forma como a Polícia Militar, segundo elas, agiu com uma aluna durante a reintegração de posse da reitoria da universidade, ocorrida na madrugada de 8 de novembro. Assustadas e com medo de que seus filhos sofram represálias, as duas mulheres - que conversaram com o R7na última terça-feira (15) - pediram para ser identificadas apenas pelas letras iniciais de seus nomes.
Em tom de revolta, elas contaram que ouviram de seus filhos e dos amigos deles envolvidos na ocupação da reitoria que agentes torturaram física e psicologicamente uma das meninas envolvidas no episódio. N.L., de 46 anos, mãe de um estudante de História que participou da ocupação, contou que a menina agredida teve uma bola de ferro colocada na boca, levou socos e foi intimidada por policiais.
- Os soldados disseram baixinho no ouvido dela:" você sabe o porquinho com uma maçã na boca? Você é nosso porquinho agora".
A outra mulher ouvida pela reportagem - R.P., de 54 anos, mãe de um aluno do curso de Ciências Sociais - afirma que a estudante foi levada para uma sala separada dos outros colegas detidos e chegou a levar chutes. Por sofrer de asma, a aluna teria começado a passar mal e a gritar alto, o que provocou revolta no grupo de estudantes, fazendo com que os policiais a levassem de volta para junto deles. As mães pediram para que o nome da menina não fosse divulgado por segurança.
Essa história, segundo elas, foi apenas um dos casos de abuso de poder durante a desocupação da reitoria. Elas compararam a ação dos cerca de 400 policiais militares - que participaram do cumprimento do mandado judicial de reintegração de posse - com a ação da corporação durante a Ditadura Militar do país (1964-1985).
Cabeçada
R.P afirmou que seu filho dormia dentro do carro, na frente da reitoria, quando os policiais chegaram e o retiraram “brutalmente” do veículo. Ele teria questionado o porquê de ser detido se não estava dentro reitoria como outros.
- O policial deu uma cabeçada com o capacete nele e cortou o nariz do meu filho. Depois teve a coragem de dizer: “eu não fiz nada, nem estava aqui”.
No dia da desocupação, o filho de R.P. foi levado junto com outros 72 manifestantes para o 91º Distrito Policial, onde foi indiciado por desobediência civil e passou por exame de corpo delito.
Já N.L conta que seu filho não sofreu agressão física, mas presenciou outra forma de repressão: a humilhação verbal. Os policias do Batalhão de Choque teriam tentado humilhar os alunos ao fazer deboche de características físicas deles. Palavras como "gordo", "espinhudo" e "quatro olhos" teriam sido usadas pelos agentes da PM para se referir aos manifestantes. Segundo ela, um jovem homossexual que fazia parte do protesto foi discriminado.
- Só dez estudantes estavam acordados quando a polícia chegou. Eles não esperavam que haveria ação da polícia. Acreditavam que, como ainda estavam em negociação com a reitoria, os policias teriam ido até lá apenas para conversar. Olha que purismo...
À favor da ocupação
As duas mães dizem que apoiaram a decisão dos filhos de participar da ocupação. De acordo com elas, os meninos queriam lutar por justiça social e melhores condições no campus, o que consideram motivo de grande orgulho. N.L diz que lutou contra a repressão durante a ditadura e ensinou os filhos sobre a importância da luta social.
- A minha geração lutou muito para tirar a polícia de dentro da faculdade, de dentro do colégio. Não é para agora, na geração do meu filho, vir e ocupar. Isso é um absurdo. Isso é ditadura mesmo.
Elas fizeram questão de frisar que os filhos não são “vagabundos”, argumento que foi usado por opositores da ocupação. De acordo com N.L, o filho estuda, trabalha desde os 15 anos e “chacoalha quatro horas por dia dentro de trens”.
Assim como a comissão de comunicação dos estudantes, os duas mães afirmaram que as coisas que estavam quebradas dentro do prédio da reitoria após a desocupação foram destruídas pelo Batalhão de Choque. Elas questionaram o fato de a imprensa ter entrado no prédio apenas um tempo depois da ação da PM. Elas afirmaram que não havia razão para os móveis terem sido revirados e classificaram as pichações como “ações individuais que não dava para controlar”.
Ministério Público
Na última segunda-feira (21), o Ministério Público de São Paulo pediu a abertura de um inquérito policial junto ao Decap (Departamento de Polícia Judiciária da Capital) para investigar a ação da Polícia Militar durante a reintegração de posse da reitoria da USP.
Resposta
Em resposta às afirmações das duas mães, a Polícia Militar divulgou nota na qual nega os abusos e diz que pode comprovar sua versão por meio de vídeo.
"A Polícia Militar esclarece que a Operação de Reintegração de Posse da Reitoria da USP foi cuidadosamente planejada, com antecedência, coordenada pelo próprio Comandante Geral, que inclusive proibiu a utilização de munições químicas, entre outros cuidados, para a ação. Não houve exagero, arbitrariedade ou abusos por parte do efetivo que lá estava, fato que a Polícia Militar comprova por meio de imagens gravadas pelo Comando de Choque e por nosso Centro de Comunicação Social".