(do Transparência SP)
Porque São Paulo, ao contrário da música, revela-se na verdade o "túmulo da política".
Pela grelha de alumínio do Ibirapuera
(do Valor Econômico, por MARIA CRISTINA FERNANDES)
Os paulistas escolheram a principal data da política regional para nomear o prédio da Assembleia Legislativa. Concebido em 1961, é o projeto de um Brasil que se modernizava que acabou sendo inaugurado - e batizado - sete anos depois sob a regência do AI-5.
O Palácio Nove de Julho abriga os presidentes estaduais de quatro partidos, PT (Edinho Silva), PSDB (Pedro Tobias), PMDB (Baleia Rossi), PTB (Campos Machado) e o nacional dos petistas, Rui Falcão.
Esta elite política estadual foi forjada na tradição, celebrada na revolução constitucionalista de 1932, de que São Paulo, por ter se desenvolvido em contraposição à tutela colonial, é o berço da democracia liberal tupiniquim.
Crise na Assembleia revela cisma na base política de Alckmin
Do bloco envidraçado recoberto por uma grelha de alumínio, avista-se o Ibirapuera, mas o parque não tem qualquer integração com a Casa. Poucos lembram que passaram pela chancela da Assembleia políticas que afetam diretamente o dia a dia dos paulistas.
Foi lá que, nos anos 1990, se autorizou a venda das energéticas paulistas, dando início à política nacional de privatização do setor elétrico, e do maior banco estatal até hoje posto à venda no país (Banespa). Sem as estatais, São Paulo passou a falar mais fino na Federação.
O PSDB fez esta transição sem largar o osso. Do vozerio que se ouve na Assembleia Legislativa, reporta-se um ativo comércio de emendas parlamentares, mas é da permanência do PSDB no poder que se trata.
O mensalão petista prosperou em meio à luta interna do partido com a ampliação da base lulista.
As denúncias em curso no Legislativo paulista têm menos chance de prosperar porque em duas décadas de tucanos no poder nunca houve CPI digna desse nome. A maioria governista e o regimento interno da Casa da democracia liberal paulista favorecem a que CPIs fictícias bloqueiem investigações propostas pela oposição.
Ainda que frustrada a CPI, as denúncias revelam mal-estar crescente que ameaça a base do governador Geraldo Alckmin e pode acabar engordando as hostes do prefeito Gilberto Kassab.
Não é uma ameaça desconhecida para Alckmin. Em 2005, quando governava o Estado pela segunda vez, enfrentou uma grande derrota na eleição para a Presidência da mesa diretora da Assembleia. Perdeu para o DEM que, no ano anterior, havia colocado Kassab na chapa de José Serra à Prefeitura de São Paulo.
O confronto prosseguiu na sucessão municipal seguinte quando Alckmin se apresentou contra a reeleição de Kassab que havia sido deixado no posto de prefeito por Serra.
Ao se apresentar para voltar, pela terceira vez, ao governo do Estado, Alckmin tratou de costurar com o DEM, dando ao partido a vaga de vice (Guilherme Afif) na chapa e convidando estrelas do partido, como o deputado que o havia derrotado na mesa da Assembleia, Rodrigo Garcia, para seu secretariado.
O que não parecia estar no roteiro era a força adquirida por Kassab com o novo partido. Talvez não seja uma coincidência que o PTB, partido mais ativo na contestação judicial do PSD, também seja a filiação de Roque Barbiere, o deputado que, contratado para assar o leitão, ameaça atear fogo à Casa.
Aliado de primeira hora de Alckmin, o PTB alveja os poderes do presidente da Assembleia, Barros Munhoz, um tucano que continua a defender a competitividade de José Serra na eleição presidencial de 2014.
Se tem algo que Alckmin já deixou claro nessa sua volta ao Bandeirantes é que não haverá colisão entre seu projeto e o da presidente da República.
No final do mês, Dilma Rousseff deve voltar pela terceira vez ao Palácio dos Bandeirantes - onde Luiz Inácio Lula da Silva não pisou enquanto Alckmin foi governador- para lançar uma parceria na área de habitação.
Foi-se o tempo em que o presidente da República ouvia gritos de "Alckmin presidente" em eventos com o empresariado paulista como aconteceu com Lula. Centenas de canteiros de obras de conjuntos habitacionais terão, lado a lado, as placas do "Minha Casa Minha Vida" e do "Casa Paulista", programa lançado por Alckmin para selar parceria com Dilma no setor.
Por isso, não parece haver dúvidas no seu entorno de que o governador pretende ficar onde está em 2014.
Enquanto o adversário é o PT, as disputas têm sido mornas. O único segundo turno paulista de que o PT participou foi em 2002 com José Genoino.
O momento mais delicado da renovação das duas décadas dos tucanos em São Paulo se deu justamente contra o bloco de forças que hoje se reagrega em torno de Kassab.
Foi em 1998 que Paulo Maluf pôs mais de um milhão de votos à frente de Mário Covas, que só reverteu a disputa no segundo turno porque Marta Suplicy despejou 3 milhões de votos no seu palanque.
O xadrez de Alckmin também tem petistas e os herdeiros do malufismo que se abrigam no PSD.
PT e PMDB já fizeram um acordo de apoio mútuo no segundo turno que recebeu publicidade inversamente proporcional à sua importância para 2012.
O prefeito é o eleitor potencialmente mais forte de sua sucessão, mesmo com uma popularidade arranhada como a de Kassab.
Se o PSDB não conseguir convencer Serra a disputar, Kassab deverá optar por Guilherme Afif, que, além do peso da máquina municipal, tem competitividade testada na eleição ao Senado.
Como vai disputar o mesmo eleitorado dos tucanos na capital, é improvável que PSD e PSDB se confrontem no segundo turno. Dado que os quatro pré-candidatos tucanos não impressionam pelo histórico eleitoral, não se deve desprezar as chances de Afif.
Alckmin pode vir a ter que escolher entre o palanque de Haddad/Chalita de um lado, e o do PSD, ameaça potencial a seus planos de 2014, no outro. Não é difícil imaginar por qual optaria.
Esse xadrez não facilita a coesão da base do governador que assiste à fratura do campo político em que colhe votos.
Não deixa de ser uma ironia que o PSD, partido que está amplificando o vozerio do escândalo das emendas parlamentares na Casa do nativismo paulista, se filie às hostes federais. É isso que se avista pela grelha de alumínio do Ibirapuera.